domingo, 25 de novembro de 2012

As terras geladas da Patagônia

 Aqui é a terra do fim do mundo


Acabo de voltar de uma viagem à Patagônia argentina, mais especificamente a Ushuaia e a Calafate, nas províncias de Terra do Fogo e Santa Cruz, respectivamente. Pela primeira vez vou tentar escrever uma versão também em espanhol, melhor dizendo “portunhol”, atendendo às solicitações de minhas novas amigas argentinas (Cristina e Elizabeth – mãe e filha) e espanholas (Graciela e Alícia – irmãs) que conheci durante os passeios. Espero que elas e outras compreendam.

Essa foi uma viagem para a qual há mais de vinte anos eu me preparava, quando ainda não tinha dinheiro nem coragem para fazê-lo sozinha. Minha mãe, quando esteve na Rússia, chegou a trazer um lindo gorro preto, de pelo (usado agora, pela primeira vez), e também um xale comprido de lã, muito leve, mas que esquenta muito. De repente, há coisa de dois ou três meses, consultando alguns guias turísticos, ouvindo relatos de pessoas conhecidas, decidi que a hora era agora.

E o que dizer da viagem? Isso é quase impossível. Dizer que vi lugares e coisas maravilhosas, é pouco. Uma experiência mágica, transcendental, dizem alguns. Eu, não tenho palavras. Às vezes, diante de um enorme glacial, eu me sentia, realmente, frente ao altar de Deus, muito pequena diante desse nosso velho mundo.

Como eu intuía, foi uma viagem absolutamente tranquila e segura. Contratei os traslados do aeroporto ao hotel (e vice versa) em Buenos Aires e, tanto em Ushuaia quanto em Calafate, as empresas que nos recebem montam grupos fixos, de acordo com a localização dos hotéis, de forma que, no primeiro passeio, você já tem a oportunidade de se enturmar (ou não).

Um senão importantíssimo: os preços na Argentina estão proibitivos, mesmo para países cujas moedas estão mais valorizadas, como o Brasil. A velha rua Florida, em Buenos Aires, já não é mais aquela... Para se ter uma idéia, o preço médio de um cafezinho varia entre 13 e 16 pesos (R$6,50 a R$8,00), o mínimo que você pagará por uma latinha de cerveja é R$10,00. A entrada em um museu, sem nenhum dos recursos atualmente utilizados, me custou 90 pesos (R$45,00), um passeio, de meio dia, pelos glaciares, 800,00 pesos (R$400,00). Fazendo meus cálculos, eu conclui que, no caso dos brasileiros, é preferível comprar dólares no Brasil e trocar por pesos na Argentina (a, no mínimo, cinco por um); comprar os pesos no câmbio oficial ou pagar no cartão. Levar reais para trocar lá, não foi uma boa.

Ushuaia ou baía profunda
O porto, no Canal de Beagle

Minha viagem começou por Buenos Aires, o que não é necessário, pois, é possível viajar diretamente para Ushuaia, na Terra do Fogo, uma ilha que tem de um lado o Oceano Pacífico, do outro o Oceano Atlântico, ao Norte o Estreito de Magalhães[i] e ao Sul o Canal de Beagle[ii]. Acho que foi Charles Darwin, que alí se empenhou no desenvolvimento da sua teoria da evolução da espécie, quem alcunhou aquele local de “terra do fim do mundo”.

Cartaz dos aeroportuários do Atlântico Sul
Capital da província de Tierra del Fuego, Ushuaia é também considerada pelos argentinos como a capital das Ihas Malvinas. Seu nome, na linguagem dos habitantes primitivos, quer dizer “baía profunda”. Estima-se a região foi ocupada pelo homem há mais de 10.000 anos, e foi colonizada por europeus a partir de meados do século XIX, os quais instalaram missões para a catequização dos indígenas.

O crescimento da cidade se deu lentamente, a partir de 1902, quando foi iniciada a construção de um grande presídio, fato este que marcou muito a história do local. O presídio funcionou até 1947, quando foi fechado pelo presidente Juan Domingo Peron. Atualmente, a edificação abriga o Museu Marítimo e Ushuiaia, a cidade mais austral do mundo, ou a cidade do fim do mundo, é um importante centro turístico, responsável por uma significativa entrada de divisas para o País, pois recebe turistas de toda parte.

Uma filhore de lobo marinho faz pose 
Cormoranes, os pinguins que voam


No inverno, é possível a prática de esportes típicos da estação, como esqui, mas, em qualquer tempo, três passeios são indispensáveis: uma turnê pelas montanhas, chegando até ao lago Fagnano, avistando os Andes, no Chile; um passeio de barco pelo Canal Beagle, para conhecer as ilhas dos lobos (ou leões) marinhos e dos passáros, com seus pinguins e cormorões, e, finalmente, ao Parque Nacional. Nesse último caso, se for durante a primavera ou verão, dispense o “trenzinho” e faça caminhadas pelos lindos bosques, em contato direto com a vegetação e fauna da região: você não vai se arrepender. E respire! Encha seus pulmões com aquele ar puríssimo e frio e sinta a vida a lhe correr pelo sangue.

El Calafate, entre o gelo e as estepes

Cidade construída às margens do lindo e imenso Lago Argentino
El Calafate é uma pequena cidade localizada na província de Santa Cruz, próxima à fronteira com o Chile, com aproximadamente 5.500 habitantes, distante cerca de 270 Km de sua capital, Rio Gallegos, construída às margens do Lago Argentino. Em termos de história, o que se pode dizer é que está em uma região tradicionalmente ocupada por grandes estâncias, sobretudo de proprietários ingleses, dedicadas à criação de ovelhas. Foi também uma região marcada pela prospecção de petróleo, o que hoje não é mais permitido. A minha primeira impressão de El Calafate foi a de que se tratava de uma cidade cenográfica, tudo certinho, com apenas uma longa avenida dedicada aos bares, restaurantes e comércio.
O Glaciar Perito Moreno com mais de 60m.de altura sob o nível
do lago e 5km de extensão
A maior atração é o extraordinário Parque Nacional dos Glaciares, fundado em 1937 e declarado patrimônio da humanidade pela Unesco, em 1981. Possui extensão de 725 mil hectares. Nele se localizam os glaciares Perito Moreno, Upsala, O'nelli, Spegazzinni, entre outros. São imponentes sentinelas de neve depositados por séculos em suas origens, no alto da cordilheira dos Andes. Descem por extensões que chegam a 170 km. São formados basicamente de neve compactada, possuindo milhares de nuances do branco ao azul. Na sua maioria, terminam no lago Argentino, onde se fragmentam desde farelo de gelo a grandes icebergs, descendo lentamente pelo leito do lago até seu derretimento. Os glaciares movem-se até um metro por dia, atritando-se violentamente com o terreno, moldando-o e lançando no lago sedimentos finíssimos, que ficam em suspensão na água, formando o leite dos glaciares. [iii]

Próximo aos glaciares, a temperatura vai
abaixo de zero
Em qualquer época faz frio


Ushuaia tem um clima frio e úmido com bastante vento durante todo o ano. No inverno, que vai de junho a outubro, a temperatura varia de -6º C e 4º C e, no centro de Ski Cerro Castor a temperatura pode chegar a -15ºC. Entre os meses de outubro e março, a temperatura está mais quente e agradável, com temperatura média de 10oC. Nesta época, os dias ficam mais longos, com duração de até 18 horas. Esse período é ideal para se realizar trekkings e passeios de barco.  A pinguineira pode ser visitada entre os meses de dezembro e fevereiro, quando são registradas temperaturas que variam de 6ºC a 18ºC.[iv]El Calafate possui clima frio, com média anual de sete graus, temperaturas máximas por volta dos treze graus e mínimas por volta dos dez abaixo de zero.

Como vocês podem constatar, mesmo viajando no mês de novembro, eu peguei muito frio, sobretudo nos passeios de barco. O vento, quando a embarcação se aproxima dos icebergs ou glaciares, é literalmente gelado: queima o rosto e as mãos. Portanto, algumas dicas  específicas para o frio, para que a mala não fique muito pesada, em uma viagem pequena, em torno de oito dias (o importante é saber combinar tudo, dando maior versatilidade às roupas):[v]

1-      Para os pés: uma bota apropriada para andar na neve ou na chuva, impermeavel, forrada de lã[vi], três meias de algodão, uma palmilha de pele, um tênis de cano alto.

2-      Para as pernas: dois fusôs de malha grossa, uma meia calça grossa.

3-      Para o corpo: três blusas quentes, de manga comprida; dois xales de lã[vii], um chachecol, um casaco alcochoado ou similar (impermeável), tipo corta vento, um sweter de lã grossa, um casaco de cashemire.

4-      Para a cabeça: dois gorros de lã.

5-      Para as mãos: um par de luvas de lã ou couro.

6-      Um kit de roupa térmica: calças, blusa e luva[viii]
 
Minhas amigas amigas espenholas (Alícia e Graciela), seguiram de El Calafate para Bariloche e, de lá, iniciaram a aventura de chegar à Patagônia Chilena, atravessando os Andes em quatro ônibus e três barcos. Quando obtiver as informções que solicitei a elas, vou postar, pois, sei, é um passeio também fantástico.



[i] A primeira viagem documentada do homem branco ao extremo sul do continente americano foi realizada por Fernão de Magalhães em 1520, embora já tenha sido sugerido que o europeu já conhecia a região antes disso. De qualquer maneira, foi Magalhães quem deu o nome de Terra do Fogo à região, tendo avistado fogueiras acesas pelos índios nas margens do estreito que hoje leva seu nome. Wikpédia.
[ii] O canal deve seu nome ao navio britânico HMS Beagle, que fez parte de duas missões hidrográficas nas costas meridionais da América do Sul no início do século XIX, levando a bordo no naturalista Cherles Darwin. Trata-se de um estreito que separa as ilhas do arquipélago da Terra do Fogo, no extremo sul da América do Sul, e também o Chile da Argentina. Tem aproximadamente 240 km de comprimento, e sua largura mínima é de cerca de 5 km.
[iii] Wikpédia.
[iv] www.adventureclub.com.br.
[v] No meu caso, levei uma mala pequena, uma mochila pequena (na qual coloquei o casaco alcochoado e as botas, notebook, câmara fotográfica, etc.) e uma bolsa de mão.
[vi] Comprei uma bota de cano baixo, masculina, um número maior, por um preço ótimo, em uma loja que vende acessórios para montaria e hipismo.
[vii] Os xales protegem as costas e também o pescoço.
[viii] Essas roupas absorvem o suor, não ficam com  cheiro (podem ser usadas por até uma semana)  e devem ser usadas por baixo da roupa usual. Ao contrário, as segundas-pele ou meias de nylon, vão fazer que você se sinta gelada pelo suor. Você pode compra-las em lojas especializadas em esportes de inverno.

domingo, 4 de novembro de 2012

Sozinha, e daí?


Recentemente, por coincidência, encontrei uma mulher viajando sozinha, cuja iniciativa foi tomada por influência de nosso[i] blog. Ela e o marido haviam programado uns dias de férias, mas, na última hora ele roeu a corda. Ela, então, pela primeira vez, decidiu manter os planos, pois, no trabalho não teria outra oportunidade. “R” foi parar em Santo André, no sul da Bahia, onde eu me encontrava, e Simona, a dona da pousada onde ela estava hospedada, nos apresentou. Foi super legal!
Durante alguns dias, antes de sermos apresentadas, eu observei a moça caminhando só pela praia, em um lugar onde há pouco a se fazer, fora de temporada, mas ela não me parecia entediada. Quando nos conhecemos, ela me confessou que, no fundo, estava mesmo querendo curtir aqueles dias sozinha, acordar na hora que bem entendesse sem o marido apressando-a para que não perdesse a hora do café, a hora dos passeios, entre outras implicâncias frequentes em uma rotina de mais de 10 anos de casamento.
“Seu blog me deu força para que eu decidisse fazer essa viagem sozinha”, me disse “R”, assim como várias outras mulheres que nos escrevem, diariamente, ávidas de dar o primeiro passo. Aliás, alguns homens também estão nos escrevendo, e são até seguidores do Blog.
Mas eu tenho percebido, até por mim mesma, que um grande obstáculo para a mulher que quer viajar, ou sair sozinha, é a timidez. É quase que uma vergonha, introjetada sobretudo naquelas que já ultrapassaram a faixa dos 50 anos, no sentido de que estar só, sem uma companhia masculina, é sinal de que foi rejeitada, ficou pra titia, solteirona, coroa etc. Ou, então, está se oferecendo quando senta-se em um bar ou qualquer outro recinto público, desacompanhada.
 Por causa disso, eu fumei mais de 30 anos. Era sair à rua sozinha e acender um cigarro atrás do outro. O cigarro foi meu companheiro inseparável por três décadas e teria me matado se eu não tivesse parado com o vício a tempo. Afinal, o cinema, sobretudo, vendia a imagem de mulheres fortes, independentes, seguras, lindas, sempre com um cigarro na mão. Mas, graças a Deus, esses tempos, em todos os sentidos, já eram. E para que você se sinta bem, e não fique com aquela cara de quem está esperando alguém que não virá, aqui algumas dicas, inclusive bastante utilizadas pelos homens:
1-      Durante a viagem, deixe para atualizar seus e:mails nos bares ou restaurantes. Também pode “tuitar”. Nada de telefonemas, a não ser que seja realmente necessário. Leve seu pequeno notebook, tablet ou smartfone com você.
2-      Esteja acompanhada de um bom livro, jornal ou revista. Nada de livrinhos de palavras cruzadas ou similares.
3-      Fotografe! Escolha um tema e se dedique a ele: janelas, postes, pássaros etc. etc. Não fotografe crianças, em nenhuma hipótese, principalmente na Europa, pois poderá ser mal interpretada.
4-      Se for a um bar à noite, sente-se no balcão. No mínimo, você vai puxar um bom papo com o barman. Se for de manhã, ou à tarde, escolha uma mesinha do lado de fora e peça um café e uma taça de licor. O garçom vai achar você o máximo e irá tratá-la muito bem.
5-      Os bares com música ao vivo onde se toca jazz ou blues são muito intimistas e é possível que você encontre vários outros aficionados, de ambos os sexos, sozinhos.
6-      Use roupas e sapatos confortáveis, mais clássicos, nada que chame muita atenção. Faça o tipo despojado chique, nada de fazer como as americanas que saem para um passeio com roupas e tênis parecendo que vão disputar alguma Olimpíada. Um chapéu de palha masculino cai bem.
7-      Respeite, absolutamente, os costumes locais. Eu, por exemplo, chamei um motorista de táxi de “moço”, em Lisboa, e ele ficou ofendido, quase me colocou para fora do carro. A nossa informalidade brasileira às vezes incomoda.
8-      Finalmente, e principalmente, não se sinta como se fosse o centro das atenções, porque você não é. Você está apenas se divertindo sozinha, conhecendo outros lugares, outras pessoas (quando for o caso), ninguém tem nada com isso: boa viagem!


[i] Eu me refiro ao blog no plural, pois entendo que ele pertence a todas nós.